Bem profundo...
Tu, moribundo...
O mundo diluído na garganta, por uma garrafa de aguardente,
Desce pelo peito abaixo, como um gládio que rasga carne, até perfurar o coração
O mundo expelido sinistramente pelas sarjetas do peito, que abandona o ardor prepotente
De usar um manto tenebroso, cobrindo de negro as muralhas da comoção
Tudo como num animatógrafo numa tela do tamanho do planisfério que nos abarca,
Onde se rasgasse o presente, moribundo, para se coexistir numa utopia, de um futuro,
Um futuro de bonança e crédito pessoal, onde a mulher é sempre a matriarca
E homem o rosto glamouroso, a quem o requinte pertence e que de novo já é maduro
Mas a vida passa-nos indiferentemente diante da incrédula tentação de a abandonar
E tornámo-nos reféns, como um criminoso que se deixa vencer no cárcere e nele se deita,
No chão frio da cela, vendo os passos do carcereiro, dia após dia, sem os conseguir contar
E de ver a vida passar, a pele torna-se no livro da sapiência cuja leitura se encontra desfeita
Tu, moribundo, que estás prostrado na calçada lusitana,
És os olhos em mágoa de quem passa ao sabor do vento e tem medo de te olhar
És a criança perdida, que tem as pragas da vida incrustadas no corpo, e que o mundo tem medo de ajudar
És o sábio empírico que não teve os pontos de apoio para que pudesse erguer o mundo com gana
Tu, moribundo, és a estrela que já não existe, mas que continua a cintilar no firmamento,
Para que os humanos te olhem, morto, mas te julguem vivo, e aí encontrem extasiante significação
Porque os passageiros são somente viandantes desesperados por solução
E que, por medo, ficam cegos, esquecendo-se que é na humanidade, em ti, moribundo, que se evade o tormento
Este poema é dedicado a todos os moribundos do mundo, os de corpo e os de alma.