Quero o que não vem na pele
Quero o que não vem na pele
O que me vem na pele é crateras, viscosidades vis e candentes
Vem-me poeiras, carquilhas, sulcos sórdidos e salientes
Minha pele é a fotografia contínua do meu decrépito estado de alma
E minha alma… ó minha alma, quem és tu, que me manténs refém, tão vivo, mas tão inconformado,
Que vais bravateando incorrer numa estrepitosa erupção, como se fosses um vulcão,
Como se fosses dona e senhora de ti mesma, e achasses que não te pertenço
Ó alma… minha pele é o palco esturrado das tuas lamúrias, é a primogénita cobaia das tuas desolações
As alegrias, se as houve, foram fugidias, efémeras como lírios de primavera
E não deixaram rasto, porque o teu rancor, alma, foi a lava que as esturrou
Por isso, ouso dizê-lo, e digo-o com altivez, pois não me resta mais nada, senão pedaços de lava abandonada,
Pedaços de alma envenenados, envelhecidos, enlouquecidos, que, em vão, esperam ser escorados, embalados,
Mas que, hoje, não passam de memórias esquecidas, perdidas, apartadas do mundo real,
Deste mundo que tem demasiados tetos falsos para que alguém me escute, me escute como quem docemente beija
Ouso dizer com a elevação de quem já não tem nada a perder, que quero o que não vem na pele
Quero todas as sensações prosaicas, pensar a vida como quem a sente, pensá-la como se realmente a vivesse
Quero, num gesto suave e perene, inalar fundo, cerrar as pálpebras e cheirar rosas de pétalas aveludadas
Quero que me crave na alma a semente de um embondeiro, que crie raízes profundas e drene o sangue profano, lávico, que me crepita no coração,
Urjo convalescença, urjo que os pensamentos sejam somente sensações viandantes
Urjo o toque insano do teu corpo e de tudo o que não vem na pele
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