Poema ao filho
Filho, os teus olhos são as fogueiras que se ateiam no meu céu opaco,
À noite, quando o incêndio que cai sobre as minhas costas se apaga.
Do meu rosto só jorram lágrimas, lágrimas de um martírio que nunca mais vê a dívida paga,
Enfim, tudo em mim são carpidos, e os carpidos são as pedras que mutilo com as minhas mãos de velhaco
Naquele tempo, em que a alsácia era um desterro de brumas e monstros invencíveis,
Em que eu vim, aqui, aterrar por necessidade, sem quaisquer qualificações credíveis,
Fui o heróico indigente das novas epopeias, de cruzadas inusitadas – o errante de Cabos e Tormentas
Agora, não sou senão um pedaço bolorento de pão esquecido, debaixo da cadeira onde te sentas
O mundo é os sonhos, e os sonhos nunca me fizeram levitar, fremir, ou acordar
Mas se as minhas mãos são vida, e a vida é sonhar, então tu és o meu sonho a brilhar
O material empedrado – lajes, muros, vigas, tetos, telhados, paredes, escadas e chaminés –
É a obra de alvenaria que regulariza a prodigalidade do meu sangue, cuja perda me virou de revés
Os meus carpidos não passam de luzinhas tremeluzentes, mal chegam para ofuscar as remelas do firmamento
Esse, quiçá, seja o meu maior lamento
O das minhas rugas serem madrinhas daquelas obras que agora caem de vetustez,
Tal como a minha pele, que já não aguenta, eu não tenho recobro, agora é de vez
Também tu, hoje em que a beleza sideral se ajoelhou para te prender, passaste a ser o sonhador de sonhos alheios
Sendo pai, abres o portal mágico do sonho que não te pertence, pois os teus já estão cendrados, murcharam-te nos veios
Também tu, à semelhança deste velho cujo rosto desconheces, irradiarás sonhos, mas estarás ausente
Para que a vida que concebeste floresça em armistício, no presente
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