Poema ao filho

28-05-2015 23:16

Filho, os teus olhos são as fogueiras que se ateiam no meu céu opaco,

À noite, quando o incêndio que cai sobre as minhas costas se apaga.

Do meu rosto só jorram lágrimas, lágrimas de um martírio que nunca mais vê a dívida paga,

Enfim, tudo em mim são carpidos, e os carpidos são as pedras que mutilo com as minhas mãos de velhaco

 

Naquele tempo, em que a alsácia era um desterro de brumas e monstros invencíveis,

Em que eu vim, aqui, aterrar por necessidade, sem quaisquer qualificações credíveis,

Fui o heróico indigente das novas epopeias, de cruzadas inusitadas – o errante de Cabos e Tormentas

Agora, não sou senão um pedaço bolorento de pão esquecido, debaixo da cadeira onde te sentas

 

O mundo é os sonhos, e os sonhos nunca me fizeram levitar, fremir, ou acordar

Mas se as minhas mãos são vida, e a vida é sonhar, então tu és o meu sonho a brilhar

O material empedrado – lajes, muros, vigas, tetos, telhados, paredes, escadas e chaminés –

É a obra de alvenaria que regulariza a prodigalidade do meu sangue, cuja perda me virou de revés

                                                  

Os meus carpidos não passam de luzinhas tremeluzentes, mal chegam para ofuscar as remelas do firmamento

Esse, quiçá, seja o meu maior lamento

O das minhas rugas serem madrinhas daquelas obras que agora caem de vetustez,

Tal como a minha pele, que já não aguenta, eu não tenho recobro, agora é de vez

 

Também tu, hoje em que a beleza sideral se ajoelhou para te prender, passaste a ser o sonhador de sonhos alheios

Sendo pai, abres o portal mágico do sonho que não te pertence, pois os teus já estão cendrados, murcharam-te nos veios

Também tu, à semelhança deste velho cujo rosto desconheces, irradiarás sonhos, mas estarás ausente

Para que a vida que concebeste floresça em armistício, no presente

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