Gasta-se o tempo e não a vida

11-06-2015 22:18

Lembro-me, pequeninamente, do extenso dia em que fomos livros abertos,

As nossas esperanças enraizavam por cima da mesinha-de-cabeceira.

Doida de felicidade, não havia sulco ou esteira

Que me dilacerasse a alma, como quem rasga o ouro dos meus excertos,

 

Travados por farpas, os nossos aluados esgares, invisíveis e encriptados,

Faziam o meu coração crepitar, sempre que a lua me beijava os suspiros, ruborizados.

A opressão de não te poder cheirar

Foi bomba, perfumando o meu ressequido arquejar.

 

A certa altura, as minhas mãos abriram-se para que a vida não se fechasse sobre mim

E foi com um estrondo que ouvi o nosso livro aberto fechar-se.

Jorrando uma lágrima carmim,

O meu coração derreteu-se com a frieza da página despida, que jamais poderá levantar-se

 

A minha vida, aquela cujas feridas ainda brotam pétalas enegrecidas,

É o palco de uma vivência passada que se adscreveu ao tempo, por vício de sinas.

Sem que as minhas mãos tivessem tido oportunidade de se sentirem arrependidas,

O passado transformou-se num cemitério repleto de minas.

 

O tempo esvaiu-se-me dos dedos, como água que se dissipa na boca da sarjeta

E a vida permaneceu imortal, na memória penosa que assombra a minha ampulheta,

Cujas âmbulas vão baloiçando, ditando a passagem à efemeridade,

E a vida tornou-se o rasto fugidio de um tempo que perdeu conta à idade

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