Gasta-se o tempo e não a vida
Lembro-me, pequeninamente, do extenso dia em que fomos livros abertos,
As nossas esperanças enraizavam por cima da mesinha-de-cabeceira.
Doida de felicidade, não havia sulco ou esteira
Que me dilacerasse a alma, como quem rasga o ouro dos meus excertos,
Travados por farpas, os nossos aluados esgares, invisíveis e encriptados,
Faziam o meu coração crepitar, sempre que a lua me beijava os suspiros, ruborizados.
A opressão de não te poder cheirar
Foi bomba, perfumando o meu ressequido arquejar.
A certa altura, as minhas mãos abriram-se para que a vida não se fechasse sobre mim
E foi com um estrondo que ouvi o nosso livro aberto fechar-se.
Jorrando uma lágrima carmim,
O meu coração derreteu-se com a frieza da página despida, que jamais poderá levantar-se
A minha vida, aquela cujas feridas ainda brotam pétalas enegrecidas,
É o palco de uma vivência passada que se adscreveu ao tempo, por vício de sinas.
Sem que as minhas mãos tivessem tido oportunidade de se sentirem arrependidas,
O passado transformou-se num cemitério repleto de minas.
O tempo esvaiu-se-me dos dedos, como água que se dissipa na boca da sarjeta
E a vida permaneceu imortal, na memória penosa que assombra a minha ampulheta,
Cujas âmbulas vão baloiçando, ditando a passagem à efemeridade,
E a vida tornou-se o rasto fugidio de um tempo que perdeu conta à idade
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