E nenhuma pele está impedida de voar

19-06-2015 22:16

No outro dia, abri a janela do quarto

E o horizonte esvaziou-se-me, abruptamente, pela traqueia abaixo

Esgueirei-me, como um símio de sangue quente, pelo parapeito da janela, debaixo

De mim, estava o universo dos sonhos sem asas, um deserto de sonhos amputados ao parto,

Logo à nascença, quando a vida e o sonho ainda se beijam, sem tímido rubor,

E julgamos que o céu está ao alcance da mão

E a terra, mundana, longe da imaginação

 

No precipício dos sonhos, senti uma evocação maior que a força animal – um torpor

Despenhou-se-me nos pés, fiquei lívido como um adulto na solidão, nas vascas da morte.

Afrontei o firmamento, fraquejei, pois tive a certeza de só haver um transporte –

Aquele que vem na sombra dos comboios da estação de um só sentido,

E, ofuscando os transeuntes com um clarão fugidio, parte para o desconhecido

 

O tempo deu-me intimidade com o precipício dos dois mundos

De repente, tornei-me nas vozes díspares, todas idiossincráticas,

Deixei-me abraçar pelas cosmópoles, rastejando em ambições pródigas e selváticas,

Repletas de metafísica, de indivíduos oriundos

Da terra, com horas para comer e dormir, com propósitos nas morais, e até nos trajes.

 

Concomitantemente, senti a leveza de existir, tornei-me nos ultrajes

Que ousam contemplar o espelho do vácuo, da razão dos nossos alentos.

Os sonhos beijaram-me a tez, e eu tornei-me nos pássaros, os únicos desatentos

Do sonho, pois só a quimera tem a capacidade de viver sem sonhar

E os pássaros são a quimera, são o sonho dando forma à incapacidade de amar

 

Abri os braços, como quem contempla o horizonte amarantino,

Na proa de um romântico cruzeiro, em que o coração se vê pequenino

E o complexo universo é condensado no prosaísmo de um suspiro, sem ar,

Verguei-me… dei um passo em frente, deixei o oxigénio sufocar –

E nenhuma pele está impedida de voar

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