E fica pouco do que nunca existiu

22-08-2015 18:43

Recalcitrante, avanço, desafiando sinas e marés, deploradas na escuridão do convés,

Já cruzei estas areias, estes mares, e a folha da dor quase me degolou

Mas abalei, abalei para longe, até da vida, onde nem a morte me pudesse encontrar

Expatriei-me de mim mesmo, isolei-me como um anacoreta no leito do deserto

 

Recalcitrante, insisto, volto a cruzar o espelho do céu, e recalco o deserto que o recebe

Nele, estamos sós, mas é mentira, trouxemos músicas, sorrisos, alegrias, calor, amor, excesso

Nele, trouxemos tristeza, deploração, agonia, gritos, desespero, traição, apunhalamentos,

Carregamos o peso das verdadeiras histórias de Romeu e Julieta, temos a morte e o sangue,

 

Temos o delírio de saber sobreviver, a alma encardida, e derramamo-la à nossa sepultura, ao nosso ventre,

Não temos de falar para comunicarmos, mas falamos e sorrimos, fingindo nunca termos morrido

Sabemos, estamos mortos, mas andamos para onde o tempo não nos possa ver

E renascemos, e abrimos a flor-de-lótus há muito morta em nós, mas não o dizemos

 

Estamos mortos numa extensão do areal que nos floriu, estamos mortos em terras vivas

Voltamo-nos para o mar e banhamos a alma definhada, como se lhe aspergíssemos a cura

A morte é a pena capital, mas quem dela se camufla, surripia a vida como uma conquista

Vida deixa de ser uma dádiva parental, passamo-la a ter por direito próprio, ganhamo-la à morte

 

Partilhamos os escombros encardidos, e que bom é receber força que lá não estava

E que bom é receber calor, sorrisos indiscretos, amor em mãos que não são nossas

Fechamos os olhos, sumimo-nos no pó da areia, deixamos a praia e o mar

E fica pouco do que nunca existiu

Tópico: E fica pouco do que nunca existiu

E FICA POUCO

Data: 23-08-2015 | De: Graça Lima

E fica pouco do pouco que sempre existiu. Ficando as mágoas enterradas na areia, para que seja o mar a vir beijar.

Re:E FICA POUCO

Data: 23-08-2015 | De: Elizabete Leonora

Obrigado pelo comentário lírico, Graça Lima.

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