Eis um poema bem diferente dos demais, não na forma de escrita, mas o assunto que te levou a escrever. Sem dúvida a troco de dinheiro os animais são maltratados e tratados como coisas, tal como os seres humanos também. Um poema que faz refletir acerca de muita coisa, mas que inevitavelmente tenho de concordar: maldição! As pessoas podiam ser uma benção em vez de maldição, não somente para os animais mas para com todo o meio envolvente. E não se importam...
Bem, nem todos são assim... tu importas-te!
A boa pessoa
Ela é a boa pessoa
Todos anuem placidamente,
Porque ela não magoa,
Jamais, jamais, porque é filha de boa gente
Ela escolhe sempre o melhor partido, o maioritário,
Ela pode ser caseira,
Mas enfarda um pesado sentido comunitário
E vai só as vezes suficientes à cabeleireira
Ela não injuria, não se mistura nas multidões
Ela é sensata, não se dá a desnecessárias confusões
Todos o sabem, ela é uma boa pessoa
Não se intromete demasiado na vida alheia
Vive enfadada, mas não se revolta com o meio que a rodeia
E, em público, só na presença do marido se assoa
Ela é a dona de casa perfeita
E ela também trabalha,
Porém, sui generis, o tempo livre não aproveita
Ela vive bem, e para isso não precisa de muita tralha
Segue as rotinas, olha o mundo, e com ele vê-se de mãos dadas
Segue os hábitos, os bons e velhos costumes, que ninguém questiona
Acredita no céu, e pede clemência para as almas penadas,
E quando dá futebol serve um bife ao marido, como uma boa dona
Aliás, ela é especialista em todos os pratos de carne,
Suculentos, polposos, sumptuosos, faustosos pratos de carne, carne, carne!
Vejam lá, faz amigos e família salivar
E até põe os canídeos a uivar.
Na mesa, é o leite, o queijo, o fiambre, o paio, o presunto,
O chouriço, a alheira, uma panóplia de vísceras sorridentes
Ela é a boa pessoa, aquela que nunca perde assunto
Ela é a boa pessoa, aquela que tem sempre boas palavras entre os dentes
Mas os gritos, os gritos, os gritos! Ai, os gritos, a agonia!
Escondida debaixo da faca dos pesadelos está a cobardia
A ignomínia sorrateira, dissimulada no coração de um comum hospício,
Levada à boca em parcas garfadas, numa ilusão de armistício,
Os porcos guincham, ganem sem dignidade,
Os vitelos, sim os vitelos, logo em tenra idade,
Amputados do amor maternal,
Passam pelas brasas,
No que a boa pessoa diz ser um bom petisco, no bom-tom convencional,
E as vacas, perdidas em demência, veem as próprias tetas profanadas
E sonham, sonham com a liberdade, porque o Homem não é o único a querer asas
Usam o boi para servir iguarias infestadas
Masturbam-no, empregam a inseminação artificial,
Repetem a tortura, até se tornar banal
E a boa pessoa trinca vorazmente sonhos doentes,
Sonhos abusados, sonhos cacofónicos, deplorados, ardentemente dolentes,
Aquelas garfadas, pinceladas de indiferença, são tridentes de demónios,
De demónios reais, que pagam o assassinato, enquanto usam o assento,
Aqueles pratos são os pandemónios,
Charcos de sangue, charcos de tormento
E a boa pessoa paga para criar infernos
E a boa pessoa paga para arrancar-lhes as peles
E a boa pessoa, sentada, inútil, dispensável, diz-se dotada de poderes ternos
Porque a boa pessoa não usa roupas ou modos reles
Usa-lhes os gritos, usa-lhes os sonhos, usa-lhes as peles
Ela é a suprema criação,
O desígnio da invenção,
E os outros seres não passam de servos,
Apunhalados vivos, em troca de um resquício de opulência,
Porque isto é a nossa sobrevivência,
Ou algo que o valha, o assunto não vale o desgaste de três nervos
Afinal, não é com ela essa longínqua e irreal ocorrência,
E o sangue das criaturas continua a ser derramado nas chamas ardentes
Enquanto, quaisquer outros a quem se lhes paga,
Atiçam o ódio, atiçam a tormenta, sempre indiferentes
Porque o dinheiro vale a inflição de cada chaga
Porque a boa pessoa julga ser a razão
Quando não passa de uma inútil maldição
Tópico: A boa pessoa
Alimentação
Data: 14-05-2016 | De: Cristina